domingo, 21 de dezembro de 2008

Ainda não era o tempo da maldade

Era o tempo da inocência, o senso comum diria. Seis pra sete anos de idade. Mas, o que aconteceu ali, naquele pequeno quarto, a mesma multidão de pessoas comuns atestaria como a maior devassidão. Inocentes participando disso? É, a ambigüidade é a melhor forma de se entender a vida.

      Uma garota e dois meninos, trancados em um cômodo. Um agravante: a garota tinha, entre os participantes dessa experiência nada pueril, um irmão mais novo.

      Numa cidadela distante, longe da civilização (não, não era a terra do personagem da música Faroeste Caboclo), vivia eu e meus pais. As distrações quase inexistiam. As poucas que tínhamos acesso eram boladas por nós mesmos, em comunhão com os vizinhos. Local onde uma boa relação com a comunidade seria crucial para uma vida harmônica, já que não tínhamos a opção de nos enfiar em casa, distraindo-nos com televisão, internet ou filmes. O jeito era ir pra rua e conviver com as pessoas.

      E, a minha parte, eu fiz bem: convivi intensamente com meus vizinhos infantis. Esses dois, que participaram do tema deste relato, moravam ao lado de casa. Dos seus nomes não consigo me lembrar. Como tudo isso começou, também não.

      O que mais lembro? Ah, as brincadeiras! Quando, diariamente nos juntávamos, elas é que davam à tona, de forma deliciosa. Nesses momentos, a descontração favorita era a formação de uma família imaginária, composta de pai, mãe e filho. (Como eu e a garota éramos os mais velhos, os principais papéis ficaram fáceis de serem preenchidos. Claro que também tinha o agravante de um irmão não poder ser casado com a irmã, mesmo de brincadeira.).

      Ali, trancados no dormitório dos vizinhos, as minhas tardes passavam com uma rapidez impressionante. O calor, o local abafado, nada disso incomodava tanto. O que importava mesmo era o prazer dos divertimentos infantis. No entanto, de forma abrupta, tudo tomou contornos mais sérios, e passamos a temer represálias por conta das nossas alegrias incontidas e prazeres escondidos, guardados somente para nós.

      Num dia especial, ficou marcada a nossa passagem para o mundo da maldade, dos adultos, dos múltiplos sentidos de uma experiência. Uma moça, que trabalhava naquela casa, resolveu dar uma vistoriada nas nossas ações. E o que viu a assustou mais que a traição do seu marido em sua própria cama. Ficamos sem entender nada, somente com medo, gerado pelas ameaças desta: - Vou contar tudo para os seus pais.

      A imagem daquela tarde inofensiva chegou aos ouvidos dos nossos juizes. Olhada com a visão de hoje, realmente era assustadora aquela brincadeira. Três crianças, uma no chão e duas na cama. A única composta com vestimentas estava no chão, alheia ao que acontecia perante os seus olhos. No leito, a nudez estava disfarçada pelo lençol, que logo gerou desconfiança por conta da tarde ensolarada e da temperatura alta. Quando puxada, levou a mais um espanto. Agora éramos réus, acusados de libertinagem e práticas incoerentes com as nossas idades.

      A promotora atuou com competência, apontando todos os detalhes que iriam agravar a nossa situação: além da nudez, nossas mãos estavam em locais considerados “proibidos”. A inexperiência em lidar com assuntos tão complexos nos fez péssimos advogados de defesa. Tentamos convencer que o estado natural seria por conta do forte calor, mas não resolveu muito.

      Como resultado, ficamos muito tempo sem nos ver. Fui proibido de entrar naquela casa. Os pais dos meus amigos (principalmente o pai), não conseguiam olhar pra mim sem demonstrar um ódio latente.

      Apesar desse universo parecido com os enredos dos livros de Nelson Rodrigues, para nós era apenas uma brincadeira. Uma inocente brincadeira de criança, na qual o hedonismo predominava e a moral e os juízos de valor não estavam representados. Claro que, aos olhos adultos, tudo foi levado a sério. No final, tudo deu certo. Ao contrário da música do Chico Buarque, nesse caso quem inventou o pecado, acabou inventando também o perdão. 

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Olho(s) Mágico(s)


As sensações eram mais evidentes, tínhamos em torno de catorze para quinze anos. As meninas deixavam de ser nossas rivais. Nada mais de meninos contra meninas, ao contrário, começávamos a misturar os clubes do bolinha com o da luluzinha. As garotas se enchiam de penduricalhos e maquiagem, enquanto nós tentávamos inovar no vestuário: calças multicoloridas, com bolsos laterais, camisetas de banda, bonés colocados na cabeça de ene formas diferentes... Tudo com um único propósito, impressionar as coleguinhas. Era a idade em que os pensamentos eram regidos pelos hormônios, a testosterona começava a ditar nossa maneira de agir. Um simples sinal de qualquer peça íntima feminina desencadeava uma série reuniões que desaguavam em várias histórias que (verídicas ou não) eram precursoras de confissões inesperadas sobre os amores da idade e de muitas gargalhadas.
Na oitava série (sério dos beijinhos e abraços) havia mais alvos que metas, até porque as meninas começavam a se interessar pelos garotos mais velhos, e elas, com corpos em formação, despertavam mais interesse ainda dos rapagões. Isto fazia com que as meninas se distanciassem de nós mais jovens. Mas a impossibilidade de conquistas não nos impedia de fantasiar. Repetidamente sentávamos num canto da sala e ficávamos absortos exercendo a idolatria dos corpúsculos, apontando para as mais chamativas e sugerindo episódios eróticos nada românticos. 
Essas rodinhas não se limitavam à escola e se estendiam para além dos muros do colégio. Em um desses eventos extraclasse o acaso nos propiciou momentos de deleite surpreendentes. Na casa de um colega de classe descobrimos, sem a menor intenção, por coincidência que a vizinha dos fundos (para nossa felicidade) era a mais vistosa novata da oitava série. E, por conta disso, um caprichoso orifício foi aberto no muro, tínhamos então acesso a privacidade alheia. 
Além da curiosidade inicial, e do fato de ver a área dos fundos de uma casa, não deveria ter nada de atrativo, pelo menos não deveria se não fôssemos agraciados pela imaginação juvenil e pelo habitual costume da garota entrar no quarto agasalhada e voltar sem nenhum lenço sequer cobrindo seu corpo.Tínhamos descoberto o pote de ouro atrás do arco-íris.
Toda essa libertinagem não podia ficar restrita a um grupo tão resumido. Na adolescência as travessuras só se tornam prazerosas quando são compartilhadas com os amigos. Entretanto, não podíamos anunciar num carro de som, no máximo contar para pelo menos os melhores amigos. Na semana seguinte o número de aberturas no muro havia dobrado enquanto o número de espectadores triplicado. 
O fato dos pais da colega não ficarem em casa durante o dia a obrigava (junto com dois irmãos menores) a realizar todas as tarefas de casa, inclusive cuidar das roupas. Contávamos os minutos para o dia da lavanderia, pois era quando ela mais se aproximava do muro. Os dias de lavanderia eram os de lotação máxima, tanto que o muro não comportava tantos garotos eufóricos, alguns menos dispostos a esperar a vez subiam (na mesma velocidade que caiam) em árvores tentando adiantar as sensações. Por conta dessas minuciosas observações aprendemos todos os passos para se lavar uma roupa.
Embora a protagonista não tivesse notado nossa presença, nosso recreio não durou muito tempo. Nosso colega, o dono da casa, que na verdade era um inquilino, foi obrigado a encontrar uma nova moradia, pois o proprietário de fato daria outro uso ao imóvel. Juntamos todos pra tentar bolar algo que pudesse contornar, ou somente prolongar, esse infortúnio. Nada pudemos fazer... 
Nos contentamos então em aproveitar os últimos dias que, não por acaso, foram os melhores, nossa normalista guardava para despedida as melhores atuações, como se soubesse que era a derradeira aparição diante dos olhos mágicos. O saboroso lazer não tornou a se repetir, passamos o resto da amizade reconstruindo os episódios através de esporádicas recordações saudosistas.
No mais é só...

domingo, 9 de novembro de 2008

4 Filmes Nacionais

O Cheiro do Ralo: Filme bem louco, não espere entender todas as nuances, e não procure o significado das ações dos personagens. Em compensação, ria das criativas frases colocadas aqui e ali, e que carregam amplos sentidos. Selton Mello nos agracia com uma atuação estupenda, digna de um dos melhores atores brasileiros de cinema. Ele pertence aquela safra de astros que dispensa apresentações, e que por si só já valem o filme. Ponto alto: a atuação de Selton e os diálogos bem surreais. Ponto baixo: a difícil compreensão do enredo (mesmo sabendo que nem tudo deve ser entendido).

Cinema, Aspirinas e Urubus: Palmas para João Miguel, que já entrou para a lista dos meus atores favoritos. Cinema, Aspirinas e Urubus é um daqueles filmes meio paradões, onde quase nada acontece durante todo o seu tempo de exibição. No entanto, nos dá algo mais proveitoso: uma bela fotografia, atuação impecável dos atores, e diálogos interessantes e por vezes emocionantes. O sertão brasileiro, com todas as suas simbologias, possibilita a entrada do espectador na essência do ser humano, deixando claro que a frase de Guimarães Rosa está certíssima: “o sertão está em todo lugar”. Ponto alto: a fotografia e a atuação dos atores principais. Ponto baixo: não encontrei.

Batismo de Sangue: desses filmes, considero o que está mais aquém. E deveria ser o oposto, pois retrata o período que mais me interessa, o da luta armada nas décadas de 1960 e 1970 no Brasil. Já li muito sobre a participação dos frades dominicanos na militância de esquerda, e principalmente no auxílio da ALN de Carlos Maringuela. Talvez por isso o filme me pareceu por demais didático, servindo somente para ilustrar fatos já conhecidos pela leitura. Para quem não conhece bem a história tratada no longa, pode ser mais proveitoso e agradável. Ponto alto: Caio Blat e Daniel de Oliveira, como Frei Tito e Frei Beto, respectivamente. Ponto baixo: o didatismo, mas essa é uma opinião bem pessoal, já explicada acima.

Ó Pai Ó: acima de tudo, divertidíssimo. A combinação Lázaro Ramos e Wagner Moura parece perfeita e a prova de qualquer fracasso. Wagner, com uma atuação exagerada em um primeiro momento, rouba a cena, deixando as melhores partes do filme. Lázaro tem um talento extraordinário, protagonizando o longa com talento e eficácia. Mas, ao contrário do que parece, os dois atores tarimbados não carregam o filme nas costas. O bando de teatro Olodum cedeu alguns grandes atores, que não fazem feio frente aos outros mais conhecidos. Érico Brás, representando o mulherengo Reginaldo, é responsável por momentos impagáveis de humor e desenvoltura. No fim das contas, a bagunça de Ó Pai Ó nos trás o espírito baiano, com um realismo pouco experimentado no cinema brasileiro. Ponto alto: os atores, tanto os conhecidos quanto os outros. Ponto baixo: o excesso de músicas, tornando o filme quase em um musical (mas nada que comprometa demais, afinal, a característica principal dos baiano é a sua musicalidade). 

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Sem consenso

Ao longo dos anos somos expostos aos olhares alheios, a esmiuçada opinião dos outros sobre nós. Logo em nosso primeiro contato com o mundo social, livres dos olhares paternos, demonstramos nossas características mais latentes que, merecido ou não, nos rendem apelidos geralmente depreciativos, tirados de alguma particularidade física ou moral. Quase sempre é por estes apelidos que somos conhecidos pelo resto da turma: e aí tampinha; ô baiano; fala caveira; vai jogar bola hoje tripa?... e por aí vai. Quem nunca teve um amigo que era chamado de gordinho, magricela, ou um eleito como quatro olhos? Me lembro de todos os personagens de minha infância. Na vizinhança tinha o capitão lixo, por gostar muito de brincar na rua estava sempre sujo e isto foi suficiente para ser comparado ao personagem dos gibis. Na escola tinha o wildsonberne, teve a terminação "berne" incorporada a seu nome depois de aparecer com o rosto inchado por causa do infortúnio contato com o inseto de mesmo nome. Ainda havia o chicão, devido aos seus hábitos mais caipiras. Isso é quase uma lei entre as crianças, talvez por que fica mais fácil e mais divertido identificar os coleguinhas, além de não confundir os garotos com nomes iguais. Mas as denominações não se limitam a termos pejorativos (como diria a Larissa, termos terminados com eiro. Hahaha), há ainda os privilegiados, geralmente os providos de uma beleza evidente ou de uma família mais tradicional ($). Estes são excluídos dos cognomes engraçados e são agraciados com designações bonitinhas, quase sempre terminadas com o sufixo “inha”. Em geral os apelidos casam com os personagens, pois todos são nomeados de acordo com as características mais evidentes, mas nem sempre é assim, alguns apelidos não pegavam exatamente por não corresponder em nada com a realidade e sim por simples zombaria. Embora essa prática seja mais notável na infância ela permanece ao longo de nossas vidas, estamos sempre sendo alvos dos olhares mais maliciosos, a diferença é que não somos mais informados como quando éramos crianças.

Poderia discorrer mais um tanto de linhas a respeito dos apelidos que recebemos ao longo da vida, mas este não é o objetivo deste texto. Pelo menos não de maneira geral. O fato é que a tempos venho sendo forçado a admitir que pertenço a tribo dos NERDS. Não que o “título” seja algo depreciativo (não pra mim), mas simplesmente porque minhas características naturais destoam bastante das dos portadores de nerdismo. Desde já vou adiantando, o termo NERD surgiu na década de 1950, derivado de Northern Electric Research and Development e era atribuído àqueles indivíduos que passavam dias e noites infurnados no laboratório envolvidos em pesquisas. Hoje são descritos de forma estereotipada devido a algumas excentricidades mais notáveis, tais como: intensa atividade intelectual em detrimentos de outras mais populares, pouca interesse por atividades físicas, dificuldade de integração social, necessidade de analisar tudo minuciosamente, e grande fascínio por conhecimento e tecnologia. Portanto, para que se possa enquadrar no grupo é necessário satisfazer uma porção de condições e não apenas uma delas. Ta certo que os NERDS têm mais afinidade por exatas, conhecem e se interessam por ciência de maneira geral, que são analíticos e cheios de fraseologias não muito comuns... Mas daí a generalizar... Então todo cientista é um NERD?

Vamos pontuar minhas características:

· Tenho um interesse imenso por ciências, mas não troco uma festinha com amigos por uma noite em cima dos livros.

· Sou físico por formação, gosto das exatas e de passar um tempo no laboratório, mas sei que essa é uma parte da vida e que, apesar de todo o prazer, é quase um trabalho.

· Sou bem analítico, penso em tudo e tento fazer tudo com embasamentos, mas isso foi sendo agregado a minha personalidade ao longo dos anos de universidade.

· Gosto, demasiadamente, de esportes. Pratico vários e com um pouco de facilidade.

· Não gosto de muitas pessoas, mas gosto de estar com pessoas interessantes, tenho hábitos sociais bem evidentes.

· Definitivamente, não acho muita graça em tecnologia e gosto muito pouco de filmes de ficção científica.

Está claro? Obviamente que coloquei minhas atribuições que vão de encontro às dos nerdistas, mas são todas verdades incontestáveis. Mas vocês devem pensar o quanto é conveniente pra mim escrever o que eu acho em desacordo com a opinião de vários, né? Hã hã... tenho provas. Caminhei (uma coisinha de NERD) pelos trilhos da internet fazendo testes, os mais variados possíveis, para me certificar de que não se trata de obra do orgulho próprio, além de me isentar da possibilidade da dúvida.

Teste da revista VEJA:

Entre 40 e 70 pontos
Você tem algumas características nerds, entre elas um profundo prazer pelo exercício intelectual. Por isso, assuntos em geral pouco apreciados pelas outras pessoas o atraem tanto. Aparência não é uma prioridade, mas você se preocupa em se apresentar de maneira adequada

Teste de um site qualquer:

Pessoa Comum!
Você é um simples e comum humano, não possui nenhuma característica nerd.

The Nerd Test, ver 2.0:

Your Score Summary

Overall, you scored as follows:

26% scored higher (more nerdy),
1% scored the same, and
73% scored lower (less nerdy).

What does this mean? Your nerdiness is:
Mid-Level Nerd. Wow, it takes a lot of hard nerdy practice to reach this level.

Neste ultimo, foi indicado que 73% das pessoas que realizaram o teste são menos nerd que eu, entretanto fui classificado com um nível moderado de nerdismo.

Portanto, se quiserem me chamar de meio-nerd eu aceito.

No mais é só...

domingo, 2 de novembro de 2008

Um trabalho escolar

A escola desde sempre representou muito mais do que um lugar para se estudar e aprender algo de útil. Significava um lugar, por excelência, de diversão. Aprender as matérias, ou não, era secundário – e até hoje ainda é nessas localidades distantes do mundo “ilustrado”. Acredito que a ausência de pais, parentes ou vizinhos que apreciassem os estudos fez com que o víssemos como algo chato e até desnecessário.

Na escola aproveitávamos tudo ao nosso alcance para rir e brincar. Dentro das suas dependências o recreio significava o melhor momento dos nossos dias. As brincadeiras fora da escola eram transportadas para dentro dela, agora sem as broncas dos professores e coordenadores, porque, afinal, estávamos no nosso legítimo momento de lazer e descontração. Pelo recreio, o universo da rua adentrava os muros escolares.

Se dentro da escola as brincadeiras rolavam a valer, fora dela, quanto tínhamos que fazer algum trabalho escolar, tudo continuava a mesma coisa. Nessas pesquisas, sugeridas por nossos professores, a oportunidade de sair de casa com algum motivo nobre surgia. Nenhum pai se negava a deixar um garoto sair de casa para estudar ou fazer algum trabalho pra escola. Era o nosso álibi perfeito para chegar a lugares desejados e distantes. 

Certa vez, na 5º série, fomos fazer uma pesquisa um tanto quanto inusitada, proposta pela professora de matemática: verificar os preços dos produtos da cesta básica em vários supermercados do bairro. O intuito seria conscientizar os futuros cidadãos da importância contida no ato de pexinchar, e ainda de quebra trabalhar um pouco com números. Formados os grupos, de mais ou menos cinco pessoas, saímos as ruas, com lápis e lista de produtos nas mãos.

Mas, como era de se esperar, os problemas começaram a surgir no nosso caminho. Acho que por sermos de escola pública, os proprietários dos estabelecimentos não nos deixavam cumprir o nosso papel. Proibiam a nossa entrada, permitindo, quando muito, que somente um fosse verificar in loco os preços praticados. Na maioria das vezes, tentando ser pessoas bacanas conosco, incentivadores da educação, pegavam a nossa lista e iam, eles mesmos preenchendo os dados, e nós ficávamos lá fora, esperando o resultado.

Depois de muita insistência, fazendo aquela carinha do gato do filme Sherk, conseguimos adentrar em um estabelecimento, os cinco, para chegar a resultados mais confiáveis, verificados por nós mesmos. Anota daqui, escreve dali, procura acolá, e pouco a pouco nosso nobre trabalho estava sendo feito. O dono do supermercado, que no início ficou no nosso pé, acompanhando tudo de perto, depois desencanou, percebendo que éramos crianças de princípios, nos deixando continuar sozinhos, sem vigilância.

Terminado o árduo trabalho, fomos à casa de um dos membros do grupo a fim de recapitular todo o esforço feito. Fazia muito calor naquela tarde. Num esboço de bondade, um dos garotos sugeriu ao dono da casa a preparação de um refrescante suco, que prontamente tirou do bolso de sua bermuda. Outro colega, tentando fazer jus ao espírito solidário, apresentou um pacote de biscoito, sua parte na comunhão, tirada não sabe de onde. Após um breve silencio e olhares mútuos, começamos a sorrir com vontade, a gargalhar. Entusiasmados, bebemos o suco, comemos o biscoito e brindamos o dever cumprido.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

ô, ô, ô, o Coringão voltou


Faltou ar quando foi anunciado a queda do Corinthians para segunda divisão. Podia ter acontecido com qualquer clube, mas não com este. 
O corintiano é repleto de orgulho, orgulho próprio, orgulho de ser fiel, orgulho dos títulos, orgulho de ser o “primeiro” campeão mundial e, principalmente, orgulho de ser corintiano. Assim, foi árduo aceitar a idéia de ver nosso time de vida passar um ano sem freqüentar a elite do futebol brasileiro. Mas não é à toa que a torcida não cansa de dizer “ser campeão não é fundamental, fundamental é ser corintiano” (Ufa!, senti um arrepio agora). Essa é a frase que resume o nosso sentimento de torcedor.
Este blog apresentou (no último post) um exemplo de como e por que escolhemos um time de futebol. Vou ser incisivo agora. Nós não escolhemos o Corinthians, nós somos escolhidos. É o que Darwin chamava de seleção natural. Isso tudo porque não basta ser torcedor, é preciso sentir arrepio ao ver a torcida gritar, se sentir íntimo de alguém que esteja com a camiseta do Corinthians, é preciso acima de tudo sofrer e ter a sensação de que é um sofrimento passageiro que antecede qualquer grande conquista. 
O sofrimento do corintiano não é o mesmo do dicionário, não é algo que nos incomoda, é O SOFRIMENTO. Sofremos (em 1ª pessoa) 23 anos sem títulos e mesmo assim a torcida aumentou. Não importa a dificuldade, o corintiano persevera. Daí você pergunta: Como isso pôde acontecer?! Eu respondo – isso é fisiológico, movimentos involuntários, subconsciente, o ID... 
Percebi que o sábado último era um dia diferente, as sensações eram bem mais evidentes. Presságio de corintiano. Havia uma semana que estava sendo anunciado o vôo da fênix, o regresso do timão a série A. Eram apenas hipóteses, não dependia unicamente de uma vitória corintiana, era necessário ainda que o Barueri (4º colocado) perdesse o jogo para o Paraná (13º colocado). Situação difícil para um torcedor comum, mas para nós tudo estava certo, 25/10/08 era o dia da redenção. 
O jogo? Nem me lembro como foi. Agora a festa foi uma das coisas que mais me emocionou nesses vinte e poucos anos de fiel torcedor. Isso não consigo explicar. Na verdade as sensações surgem espontaneamente, como uma torrente de sentimentos, calafrios, frios no estômago, suor excessivo...
Certo dia uma amiga me perguntou o que eu havia sentido no dia, respondi com todos os detalhes, sem esquecer um ponto sequer. Ela ficou surpresa e murmurou “Por que você não é assim com as pessoas?”. Hmm... Acho que a resposta está no murmúrio, minha sensibilidade deve estar toda direcionada para o timão, não sobrando nada para as pessoas, menos ainda para os não corintianos. Por isso não canso de cantar, ô, ô, ô, o Coringão voltou, o Coringão voltou, o Coringão voltoooooou, ô, ô, ô, o...
Parabéns Corinthians!
No mais é só...

domingo, 26 de outubro de 2008

O amor pelo Palmeiras

Estava rolando o ano da graça de 1992. No alto dos meus dez anos de idade, tinha uma grande preocupação. Estava precisando tomar uma decisão, uma das mais importantes da minha vida, a que iria me influenciar por todo o resto dela: escolher um time de futebol. Quando digo escolher, não é de todo verdade. Já tinha um, o Vila Nova, mas pela pouca (ou nenhuma?) expressão nacional do time colorado, havia a necessidade de ter um outro, com força nacional, capaz de fazer frente aos demais times do país.

Meu pai, vascaíno, até quis me influenciar. Me comprou uma camisa do Vasco da Gama, preta com uma listra branca. Junto dele, comecei a acompanhar os jogos do campeonato carioca, pelo seu radinho Motor-rádio, sintonizador de alta qualidade da Rádio Globo, que tinha no comando das jornadas esportivas o “Garotinho” José Carlos Araújo.

Uma ótima geração de craques vascaínos chegou aos meus ouvidos iniciantes no entendimento de futebol: Bebeto, Sorato, Washington, Willian, Acácio, Jorge Luiz, entre tantos outros. Meus tios, flamenguistas fervorosos, queriam por que queriam tirar de mim essa sina de torcer pelo inimigo. Por fim, resolvi fugir dessa intriga, e para isso nada melhor do que escolher um time neutro, um paulista. Os clubes de São Paulo começaram a década de 1990 angariando torcedores do Brasil inteiro, que passaram a considerar o futebol carioca bagunçado e decadente.

Acompanhando um jogo pela tv, senti meu coração mostrar o caminho. Nos ataques do outro time ele batia com força, pulsando, demonstrando medo. A equipe atacada era o Palmeiras, ainda decadente naquele período, passando por um jejum de títulos de dezessete anos. Para um torcedor em fase de escolha, aquele seria um time pouco atraente, já que nem se fazia idéia da parceria com a empresa italiana Parmalat.

Mas a escolha tinha sido feita. Afinal, coração de torcedor foi feito pra sofrer mesmo, devo ter pensado. Contra todas as previsões, os anos seguintes foram somente de alegrias para os palestrinos. De lá para cá, vi tantos títulos, torci por tantos ídolos, que não me arrependo nenhum dia pela escolha. Já no ano seguinte o Palmeiras venceu o título paulista (em cima do Corinthians, após o Viola imitar o porco, até então não visto como mascote pelos torcedores do verde) e o brasileiro. Em 94 mais dois títulos, os mesmos paulista e brasileiro, novamente em cima dos corinthianos.

Foram muitas alegrias e algumas tristezas. Edmundo brigando com os são-paulinos teve lá a sua graça. Perder uma Copa do Brasil para o Cruzeiro, em pleno Parque Antarctica, doeu. Torcer pela família Scolari na Libertadore de 99 deu uma sensação que o futebol ainda era um ambiente de decência e amor a camisa. A falha do maior ídolo, o goleiro Marcos, na partida contra o Manchester United mexeu com todos, mas em nada abalou a sua relação sempre positiva com os torcedores. A sua defesa do pênalti do Marcelinho, na Libertadores seguinte, apaga qualquer má impressão.

São muitas e muitas histórias, mas não caberiam aqui nesse texto. Uns times inesquecíveis: o dos títulos Paulista de 1993 e 1996; da Libertadores de 1999. Vários grandes ídolos: Djalminha (talvez o melhor que já vi com a camisa do verdão), Alex, Rivaldo, Valdívia, Marcão, Arce, Roberto Carlos, César Sampaio, entre tantos outros.    

Para evitar delongas, melhor sintetizar tudo isso em apenas uma frase, entoada pelos locutores esportivos de 2000: “São Marcos defende o penalty de Marcelinho Carioca!!!  O Corinthians está eliminado da Libertadores!!!”.

 

 

domingo, 12 de outubro de 2008

A grande aventura (parte final)

Estávamos na 5º série. Certo dia, vendo uma colega com alguns apetrechos da Coca-Cola (estojo, caneta, borracha...), quis saber onde ela tinha conseguido. A resposta veio como um incentivo: na própria fábrica, que ficava sempre aberta a garotos e garotas desejosos de brindes escolares. A facilidade, como sempre, ficou somente nas nossas cabeças.

No meu exercício contínuo de imaginação, talvez influenciado pelo desenho “O fantástico mundo de Bob”, vi uma fábrica similar a do Willy Wonka (substitui-se o chocolate pelo refrigerante), algo como um paraíso das crianças, repleta de refrigerantes, novidades, pessoas nos agradando, e muitos brindes.

Contei a boa nova aos amigos. Entre os desconfiados, sem esperança, pessimistas e profetas de mau-agouro, encontrei alguns otimistas, ávidos por coisas gratuitas, dispostos a ir atrás dos penduricalhos: Luiz (ele mesmo, o meu parceiro de blog), Evandro e Marcinho.

Fizemos vários planos para o que iríamos ganhar. Usar, dar a algumas garotas, e até vender - bem caro, aqueles que duvidavam do nosso êxito. Receberíamos beijinhos, abraços e até alguma grana. Bastava ir à fábrica, pegar os produtos e esperar os benefícios. O caminho percorrido foi cheio de risos e brincadeiras. (As crianças costumam ser esperançosas por natureza). Quando descemos do ônibus, notamos que o mundo não era tão azul: os homens de farda camuflada estavam lá.

Não me pergunte o motivo, mas tinha sim soldados do exército na portaria da fábrica da Coca-Cola. Seria um prenúncio de uma aliança futura entre o Estado brasileiro e a maior das transnacionais? Ou o contrário, uma tentativa de nacionalizar a empresa, digna de um Evo Morales ou Hugo Chaves? Não, o presidente na época Fernando Henrique não tinha essas características nacionalistas. Para os acreditam em teorias da conspiração pode-se encontrar vários motivos dos soldados lá.

Por ironia do destino, alguns anos depois, fui trabalhar naquela fábrica, mas já não tinha vontade de ganhar brindes, só dinheiro mesmo, pelo trabalho árduo executado (fiquei lá três meses carimbando papéis e disfarçando que estava fazendo algo importante).

Estando dentro do paraíso, percebi que a maior fábrica de refrigerantes do mundo estava longe de ser a “Fantástica Fábrica de Chocolate”, que via no “Cinema em Casa”, do SBT. Ali, por incrível que pareça, não vi nenhuma visita de crianças. Brindes? Nem pensar. Logo conclui que as crianças têm uma ingenuidade que as fazem cometer tolices.

Mas, se houve êxito ou não, agora penso que pouco importa. Relembrando aqueles momentos, cheguei à conclusão que os caminhos são tão ou mais importantes que os objetivos. Os objetivos são logo esquecidos e substituídos por outros, já os caminhos ficam na memória, como um ensinamento perene.

Se não conseguimos alcançar o objetivo principal, no entanto, ficamos com o melhor: a aventura. 

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Os macacos da UFG

Estava no shopping quando meu telefone tocou, era a aspirante/estudante de pós-doc me ligando para avisar que a faculdade estava na penumbra. Não havia uma correntezinha elétrica sequer no instituto de física. O que dá para se fazer em uma universidade sem energia? Ainda mais neste instituto, em que muitos vão lá pra usufruir da rapidez da internet. Jogar truco talvez, sinuca, xadrez... Como ainda não estudo no escuro e nem tenho aptidão pra nenhum desses jogos, decidi ir do shopping para casa.

– Não há nada para se fazer aí então – disse ao telefone.
– Então ta, né? – ela respondeu já conformada com a viagem perdida.

Situação corriqueira? Quedas de energia acontecem em todo lugar a todo momento. Hmm... O caso da UFG não se trata de uma desventura casual, e, sim de uma tramóia, provavelmente de uma comunidade que vive há muitos anos no campus, suspeito. Explico:
Quando cheguei na universidade, há 7 anos, eles já dominavam os caminhos de paralelepípedos entre os prédios, aterrorizando os calouros. A federal de Goiás era infestada de macacos (do tipo prego) que se organizavam aos bandos, tudo muito sincronizado: havia os operários, que se incumbia de ir para o corpo-a-corpo com os alunos, fazer o terror, saquear os laboratórios e despistar as atenções; havia os estrategistas, que planejavam os golpes às lanchonetes e cantinas; por fim, havia os líderes, geralmente de tamanho avantajado e músculos visíveis - quando comparados aos demais – que (obviamente) mandavam. Toda essa organização era evidente. Assim que um operário surrupiava um sustento os líderes (avantajados!) se encarregavam de se apoderarem de tudo por meio de safanões. Não era difícil ver macacos assistindo aulas, fazendo cálculos e operando aparelhos escondidos, enquanto aguardavam uma oportunidade de ação. Por mais que houvesse quem não concordasse com a socialização dos bichos não havia como evitar o trânsito deles nos prédios, tudo porque eles tinham o aval dos biólogos. “Se você quiser bater em um pesquisador bata, mas não encoste um dedo em um macaco que você corre o risco de ir preso”, assim comentavam os estudantes de biologia quando tocávamos no assunto.
Não bastasse a proteção que eles tinham do pessoal do ICB, apareceram os entusiasmados, que iam para o bosque para jogar petiscos e mostrá-los para os filhos (geralmente crianças pequenas). Tudo que pudesse mastigar era arremessado em direção aos bichos, salgadinhos, pipocas, refrigerantes, churrascos, sanduíches, qualquer alimento era bem vindo e bem aceito por eles. Quando alguém, mais consciente, oferecia uma maçã ou uma banana a um dos macaquinhos eles gesticulavam nervosos como se dissessem “cadê o cheetos com coca-cola?!”.
A idéia de proteger os primatas era até válida, mas com a quantidade de aulas que eles eram submetidos certamente haveria uma evolução nos seus comportamentos, e mesmo os biólogos poderiam não ter o controle de tantos bichos. E aconteceu, não demorou muito e o caos se fez. Os mesmos que zelavam pelo bem estar dos animais propuseram a reintegração deles à floresta. Vários cartazes com macaquinhos desenhados e com dizeres do tipo “se você é meu amigo não me alimente, me ajude voltar para casa” foi espalhado pelo campus. Estava proibido bajular os pregos, e, principalmente jogar petiscos. Uma semana depois da retaliação os macacos enlouqueceram, passaram até a organizar motins, chegaram a destelhar parte do restaurante na intenção de abrir uma passagem até a cozinha. Estavam acostumados a receber comida na boca, não tinham condições de procurar comida no mato, e nem queriam isso. A abstinência dos alimentos industrializados tinha efeitos danosos nos mais selvagens e fazia com que os mais habituados ao ambiente acadêmico pusessem em prática tudo que aprenderam durante anos na universidade.

– O que aconteceu com a energia? – perguntei antes de desligar o telefone –
– Não sei ao certo, mas parece que os macacos foram os responsáveis, um deles caiu em cima do transformador de energia.

Isso pra mim bastou. A queda de energia não foi um imbróglio do destino e sim uma armação da colônia de animais do campus (digna do “Pink e o Cérebro”), em que tudo foi orquestrado pelos lideres e planejado pelos estrategistas. O macaco kamikaze, que cometeu suicídio se atirando no transformador, era um do tipo operário.
Tudo resultou em dois dias sem aulas, sem trabalho, sem experimentos...



No mais, é só...

domingo, 28 de setembro de 2008

A grande aventura (primeira parte)

Os homens do exército estavam a postos. Naquele momento, seriam nossos adversários, os que queriam nos impedir do nosso nobre objetivo. Com um ar sisudo, armas em punho, apontadas para cima, nos deram algumas informações, que pelo tom pouco amistoso mais pareciam ordens. As metralhadoras, pela primeira vez vistas por nós, chamaram mais a atenção que as palavras. 

De longe já tínhamos visto o que nos esperava. (As roupas camufladas não funcionam muito bem na cidade). Mesmo assim seguimos em frente, não acreditando na miragem e sem pensar no perigo que poderíamos estar correndo.

Éramos quatro, pequenos garotos, perto dos 10 anos de idade, inofensivos frente a alguns membros da força militar brasileira. Nossas roupas gastas, calçados velhos, nos denunciavam: não teríamos condições de um enfrentamento. Nem pensamos nisso ao sair de casa. Tínhamos plena consciência de nossa fragilidade e pouca experiência de vida. Fomos ao encontro deles, mas somente para levantar uma bandeira branca e tentar uma saída honrosa, e se possível (seria sonho demais?), efetivar o nosso plano. 

Dois, ao perceberem a recepção preparada, trataram de diminuir os passos, deixando os outros irem à frente. Com o coração batendo forte, no compasso do medo, quiseram declinar da idéia, voltar atrás. Mas não dava mais tempo, era agora ou nunca. Sob a liderança de um, ajudado pelo companheirismo de outro, tentamos um diálogo. Uma pergunta curta, nervosa e, talvez, gaguejante, resultou em uma resposta áspera, de cima pra baixo, como a situação de superioridade obrigava. 

Tentamos argumentar, mas foi em vão. A conversa não é o forte de pessoas que ficam o tempo todo com armas na mão. Se insistíssemos um pouco mais, talvez o diálogo seria feito por outro canal, mais rápido e certeiro que a boca. Das duas opções, a do enfrentamento ou a rendição, escolhemos a mais simples. Demos meia-volta, completamente derrotados, e retornamos a nossa vida de sempre. Afinal, enfrentar o exército com paus e pedras seria idealismo demais para alguns garotos de periferia. Até porque, o que buscávamos nada tinha a ver com um ideal humanitário.

Ao voltar para casa, remoendo a derrota, tentamos encontrar os motivos pelo fracasso. O tempo da viagem serviu para apontar culpados. O autor da idéia, como era de se esperar, foi o mais almejado pelas críticas. O oportunismo típico dessas situações veio à tona, em expressões como “eu sabia”, “eu não falei?”. 

Na minha cabeça, tentei recapitular todo o plano, o cronograma imaginado, passo a passo. Nessa tarefa, a única opção seria refazer a trajetória desde o começo, para, então, encontrar os furos que nos levaram a esse resultado frustrante. Afinal, quando veio essa maldita idéia, que nos levou aquela situação?

Continua no próximo post.

 

eu escrevo e te conto o que eu vi e me mostro de lá pra você